quinta-feira, 7 de maio de 2009

Devaneios de um jornalista

Por Leonardo Daleffe

Para um jornalista uma boa pauta, ou um bom assunto, ou um fato extraordinário – ou qualquer denominação e orientação que use para definir uma matéria - nem sempre está à disposição de todos. Acredite, para muitos uma boa pauta é um acontecimento raro, coisa de uma vez na vida. Como um casamento - embora existam pessoas que se casem algumas vezes –, bom, a vida é injusta, uns têm mais sorte que outros, mas enfim não é algo que acontece todos os dias. 

Mesmo sem uma boa pauta é preciso manter o nível de qualidade e credibilidade. Certa vez me disseram que um jornalista é como um atleta, ele tem um auge e é impossível manter este auge para sempre, mas é crucial manter seu nível constantemente alto. 

Quando se diz que está sem pauta ou simplesmente não tem nada para escrever existe uma grande probabilidade de um ser provido de inteligência superior, capacidade de improvisação acima da média e senso de humor altamente aguçado beirando o divino expelir uma frase como: “Sem pauta! Vou ter que criar uma, acho que vou matar alguém! Ha ha!”. 

Comentários à parte, dizer isto é ser como certas pessoas que querem ter empresas por motivos fúteis como dono de uma operadora de celular para ter créditos e mensagens gratuitas para sempre. Parabéns, suas amigas irão à loucura com isso, mas com essa mentalidade em menos de um ano tu já estarás contratando os serviços da concorrência, que por sinal não terá falido.

Quer ser dono de empresa? Um grande empresário? Ótimo espírito empreendedor tu já possuis, mas um pensamento tão pequeno assim? Isto é coisa de gente sem visão, e visão é tudo - no sentido figurado é claro existem muitos cegos com visão, ou nem tantos assim -. Voltando ao assunto, por que é estúpido dizer que vai matar alguém? É errado e pessoas boas não matam? Não, nada de falso moralismo, simplesmente porque é amador. Estudou jornalismo para quê? Morte pode ser manchete, matéria de capa, tudo bem, mas é muito direta, fulano é esfaqueado em frente à igreja em plena luz do dia. Bonito, mas muito simples, uma solução? Não mate, deixe bem debilitado, de preferência à beira da morte no hospital, aí sim tu tens uma boa pauta, algo pra ficares regurgitando por um bom tempo até o desfecho final. 

Pense bem, suponha que a vítima está no hospital após ser alvejada por um cidadão portando um revolver calibre 38. Várias notas ou chamadas podem ser escritas relatando a situação da pessoa – de preferência mulher, jovem, bonita e de classe média alta – no hospital. Mostre o drama da família acompanhando o caso da filha. Faça uma matéria mostrando o aumento da violência relacionada a armas de fogo nos últimos anos, do porte de armas para civis, mostre o descaso das autoridades que permitiram uma pessoa ser baleada à luz do dia. Depois de uma serie de reportagens feitas com este gancho o quadro da garota pode melhorar no hospital dando esperança para a população, depois finalmente ela morre e pronto. 

Mas nem tudo está acabado, finalize colocando a culpa na saúde pública e consequentemente no governo pela péssima administração da verba pública que culminou na morte de uma garota inocente que tinha uma bela vida pela frente. 

Impressionado com tudo que foi relatado leve a ideia ao editor-chefe que estupefato dirá que tudo é brilhante e o veículo venderá como nunca, mas ele tem uma nova pauta e quer que você, o jornalista mais brilhante da redação, cubra. Por fim depois de tantos devaneios e especulações você acaba cobrindo um jantar beneficente que contará com a ilustre presença dos anunciantes e do dono do veiculo, além é claro da presença de celebridades locais e do prefeito numa noite de gala e prestígio.

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